ELES estão entre nós. Mais que vê-los posso senti-los dentro da minha pele, subindo minha barriga, em direção ao umbigo, onde estacionaram uma de suas 10 à 34 naves, todas silenciosas, esperando por minha passividade inaudita, espreitando por todos os poros da minha consciência, prestes a iniciarem a invasão da minha terra corporal.
Foi no dia 31 de maio, na varanda, quando uma folha de samambaia se desprendeu e caiu no meu colo. Pude ver centenas de esporos metálicos que explodiram ao bater na minha coxa e foram se espalhando, minúsculos artefatos metálicos, miméticos, inteligentes, procurando por meu ponto de inflexão, captando nervos e mastigando músculos na busca da medula espinhal.
São seres com destino certos, à procura de campo fértil onde ararem horrores, sementes de ventos eternos para serem plantadas em horizontes provocativos, no caso meu corpo que hoje se ressente deste crescer de corpúsculos, cujo único objetivo é voltarem a se reunir, um dia, na base do meu crânio, cada um executando sua própria viagem por carne em busca da experiências que juntei na minha vida.
Este cruzar de miríades de pequena nave velejando por meu sangue quente vermelho tem efeitos colaterais, nem todo deletérios: sonhos eróticos, em que possuo eres e coisas, objetos saciados, pleno de amor impossível; e o som, que cruza a minha mente como um balançar de pequenas onda quebrando em alguma praia que foi esquecida pela espécie humana desde a sua criação, mas que hoje vem resgatar eta memória perdida, repleta de dinossauros e seus bramidos tangíveis.
Sua reunião, de seres e de haveres que foram, mas que serão novamente um dia aquilo que um dia foram quando for o dia de ser dia, coçam na minha perna comichões de fatos e de idéias, às vezes bem, noutras vezes mal lembrando quem eu sou depois que fui entrada.
Fazem de mim seu hospedeiro, ou antes, seu cicerone por viagens e planetas que lembro sem nunca ter sido. Na verdade não dou nada: troco. Preenchem-me, em todos os holes de minha existência e em todos os vãos de meu cérebro com lembranças que definitivamente não podem ser minhas. São pensamentos que rolaram antes em galáxias desconhecidas, resvalando em astros de metano e idealizadas longe do carbono, congelada em sua imutabilidade imemorial, arquivo de milhares de gerações de entes invisíveis, arquivo de milhares de gerações de entes invisíveis que dominaram toda a Via Láctea antes de lançarem seus genes por todo espaço que possa ser consumido.
Alteraram-me a base de tempo, incrementaram meu clock, fizeram com que cada segundo que vivo possuo um século de experiências, de uma raça que se expandiu há priscas eras por todas esta galáxia e que hoje, minimalista em sua expressão interior e dona de uma arte puramente conceitual, gera e gira em redor desta miríade de penamentos que foram aglutinados em volta deste ponto ômega do universo, o meu umbigo, que foi o escolhido entre milhões de opções para abrigar o novo hangar energético deste cosmo, sua única consciência tangível desde que a vida foi criada. Continua a um só tempo hospedeiro e estuprador, na medida em que influo na vida deste seres imemoriais.
Seus anseios são o pesadelo das horas e das coisas. Construir uma ponte que una meu cerebelo ao meu plexo solar, passando pelas iniquidades do universo, pelas disparidades, pelas descontinuidades do binômio espaço-tempo, eis seus objetivos finais. Neste dia um arrogamos me percorrerá, passando pelo arco da minha coluna e curto circuitando meus sete chacras, recriando Buda sentado e Cristo em pé, no último grito conjunto de todas as religiões, trespassadas pela flecha de Khrisna que redime Arjuna, e reúne todos os gozos e todas as punições no ômega final.
Este ser, que antes de ser é uma nave que carrega o indefinido em forma de pó, vai a velocidade de um passo de luz mas está sentado na cadeira da varanda, debaixo de uma samambaia que tem a raiz no plistoceno e o esporo plantado no infinito, sugando a energia de uma mente simples, no solo de uma existência em amarelos, no osso branco da essência pura de perdidas lembranças, à procura do Deus final em conjunção carnal com sua criação.
Sou átomo lançado em vertiginosa carreira poesia abaixo ultrapassado valências e quebrando rimas atômicas, dodecassílabas, buscando velocidade no próprio sofrimento.
Ferida aberta ao universo, purgando veleidade por todos os poros e vendo, debaixo da minha pele, a atividade das naves que vão singrando veias, cortando músculos, nadando contra leucócitos, imantadas pelo feroz desejo do reencontro. Queremos ser um, gritam elas, enfurecidas, bestificadas pelo desejo de união, partes do todo separadas, ma que singram e se encontrarão no dia do meu juízo final. Que já vem, que já vem, que já vem...
E explode, num final de anseios e gritos da única garganta, o túnel do querer, que junta o inca sagrado ao Rei Dom Luiz XIII, sentado na sua cadeira do sempre querendo o sangue do populacho inútil, que sou eu, sempre buscando carne por todas as épocas e passeando com seu cruel escudeiro por anos a fio da selvageria inaudita.
Quiseram-me assim, e eu sou assim porque fui sempre assim. Eis-me hoje aqui, deixado só com esta rosa na mão no quarto planeta de Aldebarã e a escrever tanta prosa em papel de resma branca que anseia por sentido, cujo vértice resvala no infinito das margens que contem o universo, flor que se desfolha a cada minuto na sua presença perfeita.
E urino esporos, e suo seres, e retenho coisas sobre minha mão esquerda. Eu posso. Eu tenho. Eu quero ser, e sou abantesma final que vem repousar no leito de Ísis. Sou o olho de Golem, vislumbrando sobre a noite da humanidade a querência do inferno, espalhando a dor e a crueldade do manto que recobre o Sol por todo o sempre.
E foi-me dado, por estes magníficos seres, a oportunidade de me ver por dentro, cara a cara com meu inimigo maior: Eu mesmo, de corpo inteiro, me vejo nu no espelho da consciência, sombra que sou do que poderia ser. E esta foto, sempre entrevista mas nunca encarada faz a morte preencher-me pela primeira e última vez. Desmancho-me no limbo, sou todos melanomas, sou pó que o vento levanta, sou semente que a vida carrega, sou latente que a neve escorre por seus pés e que neste dia vem humildemente pedir tuas bençãos à tua bota, sem que você saiba que a sua hora é chegada, que seres te querem, que nós te esperamos, que o desejo é premente, que a vontade é eterna, que o belo é mister, que o som do teu ser é nota singela da sinfonia que vamos executar todos em conjunção com o bramido ancestral que se inaugura agora, o ruido final, o opus primeiro: Você é meu, e nós somos você, daqui para sempre, juntos...
À retina vêm-me uma gota de mercúrio, lágrima de naves prata, habitadas por ocos de existências perdidas. Sou refém porque desejo. Sou metal, amálgama de sangue e base da expressão retilínea da coisas cartesianas. Um dia, que já vai longe, vi você e seus ângulos euclidianos, impossíveis para o meu novo olho agora. Do infra ao ultra miro teus sentimentos de maneira implacável, já não podes trapaceares. Sou o estigma da flor que nunca foi pensada, porque não o podia ser antes da visita. Cachoeiras de césio vêm banhar-me na noite vazia, onde destroçada lua vaga pelo céu à procura de seu ponto de apoio no firmamento impossível.
À guisa de colofão, mas nunca de epitáfio, deixe-me dizer o verso perfeito, sempre sonho intangível: reunir em teoria, em téssera acabada, anjos pupas das naves que me penetram. Sois todas senhoras de um prazer das carnes, que vêm arrebatar o corpo e profanar a mente, e, nos lençóis amarfanhados que sucedem o combate, lançam-me na ereção de novas realidades: tessecratos telúricos, que apalpo frenético, vértices desdobrados, arestas incontáveis, ângulos improváveis, sexos côncavos de realidades existentes da dimensões nos planetas de outras condições.
Este verso único, redondo pois sem pontas, ajuntamento de novas formações, possivelmente retratará o uni-verso como Deus o concebeu NO DIA: Homem, paisagem e dono de uma cosmogonia que nós fizemos por merecer, rabazes. Somos originários do pecado cósmico e ati retornamos na forma do alienígena maravilhoso, seu moço do disco voador, me leve com você aonde você for... oh oh oh seu moço, racemo, sarmento, neto, vara de uvas que nunca te pisará, mosto infermentável, pois foste feita para pisares antes, em tudo que dantes encontrares ou com tuas lindas mãos tocares em verso e prosa de nós poetas de uma aurora brocal que se vislumbra no céu mas que é somente um fato científico.
Desafias o DNA e lanças Galileu: sois toda pontas, como nós te lamentamos nesta hora solene, réquiem, cantamos, enfileirados pois te amamos um dia e agora, quando quedas destruída te queremos neste amplexo final, atômico, versátil, econômico, de menos valência pois só uma órbita será preenchida, a dos teus olhos, que são passo do macaco a este fato ora vestes no éter inconsútil.
Líquido que vasa das sinapses que um dia ocorreram em teu miolo encarcerado, és ao mesmo tempo prisão e carcereiro da chave final. E eu falo de liberdade, de juntar realidades, e procurar novas, e não do arrastar pequeno, mas sim do pensar o não pensável. Este homem simbiótico, que junto com suas naves de tungstênio vem redimir esta falena silente, sílfide de um mundo criado não à sua imagem, mas que cadente cede a um outro porvir a cena de agora, como a verdade hialina de não poder ser, mas contentar-se em ter.
E eu chego ao verso terminal, pois tudo vejo e nada sou, e vou-me com a brisa, e disperso-me com a luz, sou o líquen final nas pedras da consciência de Deus.
Sempre estarei, porque sempre estive, nife de uma Terra louvada cujo símbolo agora veneras, e queres, e anseias, posse que ao mesmo tempo rejeitas mas desejas com teu corpo enfim possuído, novas realidades do verso formado afinal o Universo final, pupa que vira ninfa, ninfa que vira príncipe, príncipe que vira homem, homem que vira tu, tu que vira pupa, e até o final dos tempos tudo que vira tudo, e eu que vi tudo contei.
por Ivan Carlos Regina
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