domingo, 28 de junho de 2015
Sexta-Feira 13 e Halloween podem realmente ser comparados?
A trama de Sexta-Feira 13 foi uma variação da premissa estabelecida pelo romance de Agatha Christie "E Não Sobrou Nennhum" (Ten Little Indians, 1939): um grupo de personagens, presos em um local isolado, são mortos um a um. Simples. Mas é aí que as semelhanças acabam. Agatha Christie certamente não era um tópico de conversa em Blairstown, cidade onde foi filmado o primeiro filme.
Embora o diretor Sean Cunningham tivesse criado essa premissa para espelhar de perto a história do filme de terror quase-sem-sangue Halloween (1978), Sexta-Feira 13 divergiu brutalmente deste e de outras inspirações. Ele se transfigurou em uma criação inigualavelmente sangrenta e chocante que nem mesmo Cunningham tinha imaginado quando planejou Sexta-Feira 13. "A única inspiração que Halloween forneceu foi a fórmula para o sucesso", diz Cunningham. "Halloween é um trabalho mais artístico. Sexta-Feira 13 é mais feijão com arroz e mais sombrio. Nesse sentido, comparar os dois filmes é como comparar coisas totalmente diferentes."
As direções criativas de Sexta-Feira 13 e de Halloween combinam com os respectivos históricos de seus cineastas. John Carpenter, um dos roteiristas e o diretor de Halloween, se formou na academia higiênica da escola de cinema da University of Southern California (USC) antes de criar Halloween. Cunningham brincou com os gêneros exploitation (em Last House on the Left, juntamente com Wes Craven) e do pornô (como Together e Art of Marriage) do início à metade da década de 1970 e tinha cicatrizes para comprovar.
A sinopse da trama de Sexta-Feira 13 revela um projeto básico, primitivo que espelha a grosseria e irregular experiência cinematográfica de Cunningham e dos colegas que ele trouxe consigo para Blairstown. Sexta-Feira 13 foi uma data que entrou para a história.
Uma das principais diferenças entre Sexta-Feira 13 e Halloween é como os dois filmes estabelecem a lenda ou origem de cada uma de suas histórias. Essa narrativa define as regras básicas que - como visto na maioria dos filmes slasher após Sexta-Feira 13 e Halloween - servem para apresentar os "monstros" ou vilões dos filmes, junto com seus ressentimentos ou motivações.
Um local de confinamento - ou terreno do abate - também é estabelecido em torno do qual o resto do filme pode ser construído, no sentido de introduzir um grupo de vítimas e matá-las, uma a uma. Embora Halloween tenha sido o precursor dessa técnica, sem deixar de fazer uma breve menção ao filme Noite do Terror (Black Christmas, 1974), Sexta-Feira 13 transformou essa fórmula em arte através de uma execução inteligente e de desdobramentos inesperados.
Em Halloween, o vilão é estabelecido de forma simples, clara e direta para que o filme pudesse rapidamente construir seu suspense. Inicia com um garoto de seis anos de idade chamado Michael Myers que, numa noite de Halloween, esfaqueia brutalmente sua irmã e é internado por quinze anos. Então ele escapa e retorna para a sua cidade natal para continuar sua chacina. Claro. Direto. Simples. A partir daí, o filme está pronto para a largada, livre para fazer o que quiser no sentido de chocar e surpreender o público com uma infinidade de maneiras inteligentes e criativas.
Examinando a estrutura de Sexta-Feira 13, fica claro que o filme para pra considerar a abordagem de Halloween na introdução de sua história, mas depois desvia seu rumo e estabelece sua própria fórmula - mais popularmente conhecida como o gênero "o adolescente morto" - que inúmeros lançamentos de filmes slasher após Sexta-Feira 13 no início de 1980 tentaram simular. Quando o assassino de Sexta-Feira 13 é mostrado no desfecho do filme e revela ser uma mulher de meia-idade
(lembrando que o primeiro filme o assassino NÃO é Jason Vorhees), isso representa um contrastaste gritante à típica identidade masculina presente em praticamente todos os demais filmes de terror (ou terror slasher), incluindo filmes posteriores da franquia de Sexta-Feira 13. Esse artifício - o aparecimento de uma mulher assassina - foi, claro, imortalizado no filme Psicose (Psycho, 1960), mas também foi copiado posteriormente por diversos outros filmes slashers, mais notoriamente por Feliz Aniversário para Mim (Happy Birthday to Me, 1981) e Acampamento Sinistro (Sleepaway Camp, 1983).
É no terceiro ato de Sexta-Feira 13 que o motivo e a razão por trás das atitudes homicidas da vilã tomam corpo na forma do filho mongoloide e desfigurado da assassina, o emblemático Jason Vorhees. A apresentação do segundo vilão foi um conceito que distanciou mais ainda o filme de Halloween e finalmente estabeleceu Sexta-Feira 13 como o mais influente filme de terror slasher, em termos tanto de execução quanto de construção da história, dessa era. Jason não havia surgido até então.
Trechos tirados do livro (com algumas modificações minhas) de David Groove, Sexta-Feira 13: Arquivos de Crystal Lake. (Veja a resenha em vídeo do livro no canal de Danilo Palma, clique aqui).
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